Justiça autoriza guia de ICMS sem multa de mora

ago 26, 2020 | Tributário

Uma empresa obteve liminar, considerada inédita, que obrigou o Distrito Federal a emitir uma guia de recolhimento de ICMS em atraso sem multa de mora, com prazo de cinco dias, e o impediu de fiscalizá-la até o pagamento do imposto. Apesar de existir jurisprudência pacífica no Superior Tribunal de Justiça (STJ) contrária à incidência de multa, em caso de denúncia espontânea, Estados e municípios insistem na cobrança.

Além do Distrito Federal, a multa é aplicada pelos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraíba, Pará, Tocantins e Amazonas, de acordo com o advogado Carlos Navarro, do Galvão Vilani Navarro, que defende a empresa beneficiada pela liminar. Em geral, afirma, a multa de mora, mesmo em caso de denúncia espontânea, é de 20% sobre o valor da dívida.

A dívida de ICMS no processo é de aproximadamente R$ 100 mil. Ou seja, a companhia acabou conseguindo reduzir o pagamento em cerca de R$ 20 mil somente com a exclusão da multa de mora.

Normalmente, as empresas não seguem esse caminho. Preferem pagar a dívida com a multa e depois entrar na Justiça para pedir a restituição do valor da multa – que acaba virando um precatório. “Em geral, as empresas têm medo de entrar com esse tipo de ação. Nesse meio tempo, o contribuinte pode perder a espontaneidade, ou por ação orquestrada da fiscalização ou por um acaso”, diz Navarro.

Por isso, a empresa resolveu fazer o pedido para emissão de guia, sem multa e com prazo para pagamento, e impedir uma fiscalização. A liminar, em mandado de segurança, foi concedida pelo juiz Lizandro Garcia Gomes, da 1ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal. A decisão já foi cumprida pela Fazenda do Distrito Federal.

No caso, trata-se de uma empresa voltada ao comércio e distribuição de cosméticos e perfumaria. Segundo o processo (nº 0704967-26.2020. 8.07.0018), durante março e abril de 2020, utilizou créditos próprios para abater débitos de ICMS, apurados tanto pelo regime convencional quanto pelo de substituição tributária. Contudo, notou posteriormente que os créditos utilizados eram inexistentes, ao revisar seus controles fiscais e contábeis mais de três meses depois dos abatimentos.

A empresa procurou fazer a denúncia espontânea para quitar os valores devidos. Porém, o Distrito Federal não permitiu a emissão de guia sem a multa pelo atraso. O que, diz a defesa, contraria o que diz o artigo 138 do Código Tributário Nacional (CTN) e a jurisprudência.

Na decisão, o juiz Lizandro Garcia Gomes, afirma que “sabe-se que a responsabilidade por infrações tributárias é afastada pela denúncia espontânea do contribuinte, a qual consiste em sanção premial que se destina a estimular o adimplemento das obrigações tributárias principais e acessórias”.

O magistrado cita, no texto, o artigo 138 do CTN e decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recurso repetitivo (REsp 1149022). Os ministros entenderam que a denúncia espontânea afasta a incidência das multas de caráter punitivo, as quais incluem as multas moratórias.

A decisão da Justiça do Distrito Federal é importante, segundo Navarro, por abrir um novo caminho aos contribuintes. Ele afirma as empresas podem entrar com denúncia espontânea nos casos em que saíram derrotadas no Supremo Tribunal Federal (STF), como o do ISS sobre contratos de franquias.

Para o advogado Filipe Richter, do escritório Veirano Advogados, a decisão realmente é diferente das demais que tratam do tema e traz um desdobramento para os contribuintes que não conseguem excluir da guia de pagamento a multa de mora. Em alguns sistemas, acrescenta, é possível fazer a retirada, sob responsabilidade do contribuinte, que pode ser autuado.

Richter afirma que ficou surpreso com a decisão por envolver, na sua opinião, débitos declarados e não pagos, que não poderiam se beneficiar da denúncia espontânea, segundo a Súmula 360, editada pelo STJ. O juiz, ao proferir a liminar, entendeu, contudo, que não seria o caso de aplicar a súmula.

Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral do Distrito Federal não deu retorno até o fechamento da edição.

Fonte: Valor Econômico/APET