Joice Bacelo | Valor Econômico
A fabricante e importadora de brinquedos Gulliver conseguiu algo raro entre as empresas que estão em processo de recuperação judicial. O plano elaborado para o pagamento das suas dívidas foi aprovado pela Justiça sem que a proposta tivesse antes passado por assembleia-geral de credores.
Pela Lei nº 11.101, de 2005, que regula as recuperações e falências, pode haver a dispensa da assembleia nos casos em que a devedora apresenta o seu plano aos credores e, passado prazo de 30 dias, nenhum deles faz contestações. Consta na legislação, foi o que ocorreu com a Gulliver, mas, segundo advogados, destoa do que se vê na prática.
A etapa de aprovação do plano, afirmam os especialistas, costuma levar muito mais tempo inclusive do que os seis meses que estão previstos na lei. Em quase cem por cento dos casos há objeção à proposta apresentada pela devedora e existem processos em que a empresa precisa se reunir até mais de uma vez com os seus credores para chegar a um acordo sobre a forma como as dívidas serão pagas.
Um estudo da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) e da PUC-SP mostra que o tempo médio só para essa etapa do processo é de 507 dias. Ou seja, são aproximadamente 16 meses somente para aprovar o plano de pagamento dos credores.
O plano da Gulliver foi aprovado “de ofício” pela juíza Daniela Pinheiro Lima, da 6ª Vara Cível de São Caetano do Sul, em São Paulo (processo nº 1006934-18.2017.8. 26.0565).
Ela afirma, na decisão, que o prazo para as contestações ao plano se esgotou no dia 3 de setembro do ano passado, sem que houvesse objeções e somava-se a isso as manifestações favoráveis do administrador judicial e do Ministério Público.
“A medida que se impõe é a concessão do pedido”, frisa a magistrada, acrescentando que não vislumbra “ilegalidade nos prazos estipulados, nos índices atribuídos para o acréscimo da correção monetária e juros moratórios, nem no percentual do deságio” que foram fixados pela empresa devedora.
O plano elaborado pela Gulliver prevê o pagamento dos credores trabalhistas em parcela única no prazo de até um ano. Já para os quirografários (aqueles que não têm garantias) e para a classe das micro e pequenas empresas as condições são menos vantajosas: o pagamento começará a ser feito 18 meses após a homologação do plano, o deságio será de 40% e o valor dividido em 24 parcelas semestrais com correção pela TR e juros de 2% ao ano.
Há ainda, na proposta da Gulliver, uma modalidade de pagamento diferenciada para os “credores parceiros”, classificados como aqueles que se dispõem a continuar concedendo crédito à empresa. Para esses, a carência é de 12 meses, não há deságio e o pagamento será feito em oito parcelas semestrais.
Representante da empresa no processo, o advogado Guilherme Marcondes Machado, sócio do Marcondes Machado Advogados, considera como “o melhor dos mundos” para a empresa em recuperação conseguir aprovar o plano de ofício. “Porque consome menos tempo e menos dinheiro”, afirma.
O advogado já havia atuado em um outro caso em que a empresa também foi liberada da assembleia-geral de credores. A Construcia, uma empresa de engenharia espanhola que tem escritório em São Paulo, teve o plano de pagamento dos seus credores aprovado diretamente pelo juiz Paulo Furtado, da 2ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo, em 2018 (processo nº 1090609- 13.2017.8.26.0100).
Tanto a recuperação da Construcia como a da Gulliver são consideradas “pequenas” para os padrões do mercado. Quando a Construcia entrou com o processo, tinha dívidas de aproximadamente R$ 7 milhões e cerca de 120 credores, a maioria fornecedores.
Já a Gulliver, que está em recuperação judicial desde o segundo semestre de 2017, tem dívidas totais de R$ 110 milhões, mas somente R$ 10 milhões estão sujeitos ao processo de recuperação judicial. A empresa foi fundada na década de 1970, tem sede e unidade fabril em São Caetano do Sul, no ABC Paulista, e filial em Santa Catarina.
Fonte: Valor Econômico