Se a Lei do Distrato autoriza a retenção de até 10% do valor do contrato pela desistência injustificada do comprador, não é possível presumir que isso seja abusivo sem que se demonstre que a cobrança é desproporcional ao montante pago na aquisição do imóvel.
A conclusão é da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que deu provimento ao recurso especial de uma empresa de empreendimentos imobiliários.
O precedente indica a forma criteriosa com a qual o colegiado indica que deve ser tratada a cláusula penal prevista nos contratos de compra e venda de imóveis no país.
Limites da lei
O artigo 32-A, inciso II da Lei 6.766/1979 autoriza que a retenção de valor no caso de desistência do comprador alcance até 10% do valor do contrato. Esse dispositivo foi inserido pela Lei do Distrato (Lei 13.786/2018).
Essa retenção vem sendo contestada judicialmente nos casos em que ela representa todo o valor que chegou a ser pago pelo comprador — o artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor define que são nulas as cláusulas que gerem essa perda total.
Esse conflito de normas levou as turmas de Direito Privado do STJ a optar pela aplicação da lei consumerista. A jurisprudência da corte entende que incorporadoras e construtoras podem reter até 25% do valor pago pelo comprador antes do distrato.
Com base nesse cenário, a 3ª Turma do STJ recentemente alterou a cláusula penal de um contrato que, apesar de fixado dentro dos limites da lei, havia gerado a perda total do valor pago pelo comprador até a desistência.
O acórdão da 4ª Turma do STJ não nega essa possibilidade, mas estabelece que ela depende de alguma situação que caracterize o abuso da aplicação da cláusula contratual elaborada nos moldes legais.
É preciso indicar
O caso concreto é de um contrato de compra e venda de um terreno com previsão de retenção de 10% do valor pactuado em caso de distrato. O Tribunal de Justiça de São Paulo julgou a cláusula abusiva e autorizou a retenção de 20% do valor que fora pago pelo comprador.
Relatora do recurso especial da empresa, a ministra Isabel Gallotti observou que o TJ-SP presumiu ter havido abuso na retenção, sem indicar nenhum elemento que o comprovasse.
“Entendo que a cláusula que reproduz os termos da lei não pode ser considerada abusiva e ter sua aplicação afastada sem que haja nenhuma particularidade ou circunstância que justifique a sua abusividade no caso concreto”, sublinhou.
Para ela, afastamento automático da cláusula sem demonstração de desproporcionalidade gera enriquecimento sem causa em favor do comprador, que foi o responsável pelo distrato.
“Assim, se a cláusula penal se limita a reproduzir os termos da Lei do Distrato, não há falar-se em abusividade da cláusula, a não ser que haja declaração de inconstitucionalidade do dispositivo reproduzido, o que não se verifica no caso”, concluiu.
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REsp 2.232.983
Fonte: Conjur