STJ pode reavaliar continuidade delitiva para sanções administrativas

set 2, 2024 | Regulatório

A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça pode reavaliar a orientação de cabimento do instituto da continuidade delitiva nos casos em que ilícitos administrativos geram aplicação de multa.

O tema foi levantado no julgamento do Recurso Especial 2.087.667 pelo relator, ministro Sérgio Kukina. Considerações no Supremo Tribunal Federal sobre a intersecção entre Direito Penal e Direito Administrativo o fizeram mudar de opinião.

O instituto da continuidade delitiva está previsto no artigo 71 do Código Penal e indica que, quando o réu pratica mais de uma ação da mesma espécie, nas mesmas condições, uma é continuação da outra.

No caso penal, a consequência é a aplicação da pena de um só dos crimes ou aquela que for mais grave, aumentada de um sexto a dois terços.

Essa orientação tem sido transplantada para o Direito Administrativo sancionador por conta da relação direta existente com o Direito Penal — ambos são a expressão do efetivo poder de punir estatal.

No caso do direito administrativo, admite-se que uma sequência de várias infrações de mesma natureza apuradas em uma única autuação tenha natureza continuada. Assim, ela gera imposição de multa singular.

A continuidade delitiva vem sendo reconhecida no âmbito administrativo de forma pacífica por ambas as turmas de Direito Público do STJ, mas já não convence mais o ministro Sérgio Kukina.

Ao votar o REsp 2.087.667, ele apontou que o aderiu à compreensão de que o Direito Administrativo Sancionador está inserido no regime jurídico-administrativo e, portanto, não guarda relação de subordinação com o Direito Penal.

Sancionador x Penal

Essa ideia foi expressa no voto do ministro Alexandre de Moraes, no julgamento do Tema 1.199, no qual o Supremo Tribunal Federal limitou a retroatividade da nova Lei de Improbidade Administrativa (Lei 14.230/2021).

Para Moraes, embora Direito Penal e Administrativo sejam expressões do poder punitivo estatal, representam sistemas sancionatórios que “não guardam similitude de lógica operativa”.

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, ao menos na análise da improbidade administrativa, essa visão não é unânime no Supremo, o que acaba por afetar a identidade e o uso da ação cabível segundo a nova LIA.

No mesmo julgamento, o ministro André Mendonça reconheceu em seu voto a intersecção entre Direito Administrativo Sancionador e Direito Penal.

Já o ministro Kassio Nunes Marques deu um passo além ao dizer que a improbidade está mais próxima de um crime do que de um ilícito civil. Para ele, seria adequado estender o quanto possível as garantias próprias dos Direitos Penal e Processual Penal.

Na contramão, a ministra Rosa Weber, atualmente aposentada, entendeu que seria inviável justapor Direito Administrativo Sancionador e Direito Penal de forma automática e linear.

Caso concreto

A mudança de posição do ministro Kukina levou a ministra Regina Helena Costa destacar, durante a sessão de julgamento, que ainda pretende refletir melhor sobre a questão, por não estar convencida. O próprio relator se dispôs a debater o tema.

Isso não mudou o julgamento no caso concreto, pois ele tratava de multa aplicada pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Houve um ato de infração referente a múltiplas infrações apuradas no mesmo procedimento.

Nesse caso, a específica Lei 12.815/2013 diz em seu artigo 48, parágrafo 2º que serão consideradas continuadas as infrações quando se tratar de repetição de falta ainda não apurada ou objeto do processo, de cuja instauração o infrator não tenha conhecimento, por meio de intimação.

A lei não traz critério objetivo para a majoração da penalidade na forma continuada. Por isso, o relator entendeu cabível o artigo 71 do Código Penal e a continuidade delitiva.

“Ora, como ao intérprete não é dado considerar a lei de forma isolada, tem-se que o sentido do parágrafo 2º do artigo 48 da Lei 12.815/2013 é perfeitamente alcançado quando analisado em consonância com o art. 71 do CP”, disse.

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REsp 2.087.667

Fonte: Consultor Jurídico